• 18/04/2019
  • por Resenha Politika

Saúde Pública

Médico cubano faz vaquinha para conseguir pegar diploma e ficar em Sousa

Médico cubano faz vaquinha para conseguir pegar diploma e ficar em Sousa

Ariel Sanchez, 45, desembarcou no Brasil em 2013 cheio de planos. Formado na Universidade de Havana, em Cuba, há 20 anos, ele foi um dos primeiros especialistas a integrar o Mais Médicos, programa que tinha sido recém-criado pelo governo federal. Foi trabalhar em Sousa, na Paraíba, onde planejava recomeçar a vida. No ano seguinte conheceu a futura mulher, Vânia, 35, a mãe do filho Adriel, que chegaria em 2015. A vida seguia seu curso até que em novembro do ano passado os planos mudaram: Cuba rompeu com o programa e Adriel perdeu o emprego. “Decidi que não voltaria para Cuba.”

A decisão difícil teve consequências. Desempregado há cinco meses, a esperança era passar no último Revalida (a prova que regulariza o diploma médico estrangeiro em solo nacional), receber o registro no conselho e voltar a exercer a medicina. A boa notícia chegou, e Sanchez, por um ponto, foi um dos 600 aprovados entre 8.000 candidatos. “Mas não tenho dinheiro e preciso viajar até o fim do mês a Brasília para pegar o meu diploma. A passagem custa até R$ 1.300.”

“Passar numa prova difícil como essa é como um sonho. Foi uma notícia tão grande para mim e para minha família que até hoje a gente não acredita”, disse.

Desde que perdeu o emprego, Sanchez sustenta a família com as doações que passou a receber de antigos pacientes. “É tanta doação de alimento que temos comida para um ano. Vem muita gente, quatro, cinco, seis pessoas por dia. O povo reclama, mas tem muita gente boa no Brasil”, diz ele.

Quando recebe donativo em dinheiro, o casal paga a conta de luz, compra fralda, leite e junta para quitar o aluguel atrasado. O caso do médico ficou tão conhecido na cidade que, em janeiro, o prefeito de Sousa, Fábio Tyrone (PSB), prometeu em coletiva de imprensa que a prefeitura arcaria com os aluguéis de Sanchez até que ele voltasse a trabalhar.

“Ele pagou janeiro; fevereiro não pagou. Fui na prefeitura quatro, cinco vezes, e então ele pagou março, mas o do mês de abril venceu e até agora nada”, lamenta o médico.

Procurada, a prefeitura não respondeu à reportagem. Ele agora retribui a ajuda dos vizinhos tomando a pressão e dando orientações gerais, “porque não posso clinicar”.

Sanchez agora se concentra em outro tipo de doação. Busca de ajuda para pagar as passagens de ida e volta a Brasília, onde receberá um diploma nacional da Universidade de Brasília (UnB) para legalizar seu trabalho no Brasil. Até agora, juntou R$ 500.

Por 1 ponto Sanchez disputou uma das 600 validações e concorreu com 8.000 candidatos. Na primeira fase, escrita, surpreendeu ao atingir 91 pontos, 11 além da nota de corte (85). “No Revalida anterior, o limite era 56 pontos. Ficou muito mais difícil.” Na segunda fase, a prática, ele tirou irei 63, um ponto a mais do que a nota de corte.

“Lá em Cuba, não tem como se acostumar. Você trabalha só para comer, mesmo sendo médico. Não tem como comprar um carro, uma casa. Você tem saúde e educação gratuita, isso é bom, mas a gente estuda com o sonho de melhorar”.

Questionado se, com o diploma validado, pretende procurar um emprego em uma grande capital, Sanchez se emociona. “Meu plano é devolver todo o bem que o povo de Sousa tem me dado. Eu poderia pegar o CRM (registro profissional) e meu diploma e ir para qualquer lugar do Brasil. Mas eu tenho um comprometimento moral com o pessoal daqui.”

A cidade tem um hospital regional, com maternidade e sem UTI, que atende a outros municípios da região. Em toda a cidade são 32 postos de saúde, mas desde que Cuba deixou os Mais Médicos, Sousa ficou sem especialistas para o Programa Saúde da Família. “Eu vou pedir ao prefeito para voltar ao postinho onde trabalhei por cinco anos. Quem sabe, para ajudar esse povo que tanto faz por mim.”

UOL